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EGM.
septiembre 2009 /
Publicación semestral. ISSN:1988-3927. Número 5, septiembre de 2009.

O transcendentalismo de Heidegger: um resumo

Elnora Gondim y Osvaldino Marra Rodrigues

1.1. Fenomenologia: visão geral

Em linhas gerais, a Fenomenologia (vem do grego phainesthai, aquilo que se apresenta ou que se mostra; e logos, explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência; estes devem ser vistos como em si mesmos, neste sentido tudo o que se pode saber sobre o mundo restringe-se aos fenômenos (aquilo que aparece à consciência). A Fenomenologia tem como conceito fundamental a noção de intencionalidade; aquela que afirma que o objeto não existe sem o sujeito e nem a consciência existe sem um objeto, pois o objeto só aparece ao sujeito na medida em que a consciência está direcionada para ele.

Na fenomenologia o fenômeno se mostra puro, nele não há aspectos fundantes subjetivos. Ele pode ser considerado como essência, embora não do tipo clássico, pois no fenômeno husserliano encontram-se entrelaçados os atos puros da consciência com a sua correlação (advinda através da intencionalidade) com a objetividade e a experiência. Neste sentido, fenômeno aqui guarda diferenças em relação ao fenômeno kantiano; aquele que aponta para um sujeito transcendental, onde as representações são imprimidas às coisas por este. Em contrapartida, o fenômeno da fenomenologia pode ser definido através de uma correlação entre consciência e conceito: só existe consciência de alguma coisa; em outras palavras: há uma correlação entre consciência e coisas enquanto intencionalidade da consciência.

Portanto, quando Kant faz a distinção entre fenômeno (aquilo que se conhece) e nôumeno (aquilo que não se conhece; a coisa em si, mas que pode ser pensado) com isto, segundo Husserl, ele mantém a idéia da metafísica tradicional da realidade como “Ser enquanto Ser”. Em contrapartida, Husserl afirma que não há nôumeno, não há o incognoscível. Tudo o que existe é fenômeno. Este é a presença das coisas diante da consciência; é aquilo que se apresenta diretamente à consciência.

A Fenomenologia foi difundida por Husserl. O filósofo Edmund Husserl funda a Fenomenologia com o intento de que a filosofia tivesse a fundamentação de uma ciência rigorosa; objetivava dar rigor ao raciocínio filosófico em relação às coisas do mundo real. Husserl intentava evitar que a verdade filosófica fosse provisória. Para tanto, ela deveria referir-se às coisas como se apresentam na experiência de consciência, estudadas em seus eidos (essências), despojadas das contingências do mundo empírico objeto da ciência.

Husserl buscava uma teoria do conhecimento que englobasse também as ciências como a matemática e a física. O que ele objetivava residia naquilo que se passava na experiência de consciência, através de uma descrição precisa do fenômeno. Assim sendo, o nome de fenomenologia designado para a sua teoria significa que, inicialmente, seria uma ciência descritiva, para, posteriormente, ser uma teoria transcendental à experiência, o seja, para além do método cientifico.

O método fenomenológico de Husserl significa, em linhas gerais, ir às próprias coisas. Esta é a regra primeira e fundamental do método fenomenológico, onde por coisas entende-se simplesmente o dado, aquilo que se vê diante da consciência. Este dado chama-se fenômeno, no sentido de phainetai, de que aparece diante da consciência.

A análise fenomenológica husserliana é composta de reduções que são chamadas de eidética, transcendental e constituinte:

  1. redução eidética – distinção entre fatos e essências, onde estas são o sentido daqueles. No entanto, a essência não se revela independentemente do fato.
  2. redução transcendental – nela o mundo é visto como correlato da consciência. Não há o em-si; ela se situa no nível da intencionalidade noética (operação consciente) noemático (objeto significativo).
  3. redução constituinte ou produtiva – nela o sujeito se reconhece como fonte dos fenômenos, como responsável do seu sentido, como liberdade.

Aqui cumpre salientar que com o objetivo de que a investigação se ocupe apenas das operações realizadas pela consciência, para Husserl, é necessário que se faça uma Epoché, isto é, coloque-se entre parênteses toda a existência efetiva do mundo exterior. Na prática da fenomenologia efetua-se o processo de redução fenomenológica o qual permite atingir a essência do fenômeno.

Conforme Husserl existe dois pólos da experiência: noema e noesis. Noesis é o ato de perceber enquanto noema é aquilo que é percebido. Através desse método, para Husserl, a pessoa pode perfazer uma redução eidética, ou seja, os noemas podem ser reduzidos à sua forma essencial ou essência. Assim, como resultado, alcança-se a consciência pura através da intencionalidade. A consciência é caracterizada pela intencionalidade; ela é sempre a consciência de alguma coisa. Essa intencionalidade é a essência da consciência e é representada pelo significado; o nome pelo qual a consciência se dirige a cada objeto. A consciência não é um sujeito real; onde seus atos são relações intencionais e o objeto é um ser dado a este sujeito lógico. Portanto, só existe consciência de alguma coisa, isto é, só existe um sujeito para o objeto e vice-versa. Com isto, a dicotomia do pensamento cientifico inaugurada por Descartes, que separava o sujeito do objeto, é superada, porquanto o pensamento cartesiano ao restringir o cogito como condição única de existência do mundo, engessa-o em uma subjetividade.

Assim sendo, Husserl conduz a experiência mundana para a atividade do sujeito transcendental mostrando que a sua atividade é constituidora de sentido e estabelecendo em sua experiência o aparecer do mundo e dos outros. Desta forma, o pensamento deixa de ser algo abstrato e passa a ser um pensamento engajado no mundo da existência. Portanto, ao se filosofar é pressuposto algo: uma existência aqui e agora.

Embora tenha tido uma considerável influência de Husserl, Heidegger manteve diferenças consideráveis e, da filosofia husserliana, utiliza-se, em Ser e Tempo, somente, do método fenomenológico. Em sua crítica à filosofia husserliana, Heidegger salientou que o ser lançado no mundo é um tipo de intencionalidade muito mais fundamental que a intencionalidade de meramente contemplar ou pensar objetos, e é aquela intencionalidade mais fundamental é a causa e a razão desta última da qual se ocupava Husserl. Heidegger constata que a noção de redução husserliana é algo insuficiente para explicar a questão de ser-no-mundo.

Heidegger, rompendo com Husserl, fornece à Ontologia uma nova forma. Assim, na busca do Ser, ele tentou em Ser e Tempo (1927) descrever o que chamou de estrutura do cotidiano, ou “o estar no mundo”, com tudo que isto implica. Com Heidegger não haverá mais a preocupação em passar do sujeito empírico para o sujeito transcendental. A análise heideggeriana se aplica à explicação da existência humana situada no seu aqui e agora. O que se trata, então, é de descrever de que maneira eu, a existência dos outros e do mundo pertencem à minha experiência (analítica existencial).

1.2. Heidegger

O pensamento de Heidegger tem como problema fundamental a pergunta pelo Ser. Qual a novidade da filosofia Heidegger? Hannah Arendt afirma que:

O decisivo no método (de Heidegger) era que, por exemplo, não se falava sobre Platão e não se expunha sua doutrina das idéias, mas seguia-se e se sustentava um diálogo durante um semestre inteiro, até não ser mais uma doutrina milenar, mas apenas uma problemática altamente contemporânea. (…) A novidade simplesmente dizia: o pensamento tornou a ser vivo, ele faz com que falem tesouros culturais do passado considerados mortos. Há um mestre; talvez se possa aprender a pensar (1987, p. 231).

Assim a novidade do pensamento de Heidegger foi trazer a questão do Ser, a qual era tão antiga, para o mundo.

A filosofia de Heidegger é dividida em dois momentos. No entanto, todo o pensamento heideggeriano tem como ponto de partida o problema do sentido do Ser.

1.2.1. Introdução à segunda fase do pensamento heideggeriano

Para se entender a segunda fase do pensamento de Heidegger, aquela após Ser e Tempo (1927), é preciso saber que:

A partir de 1930, esse panorama muda e Heidegger começa a perceber que o que caracteriza a nossa época não é o cotidiano caseiro, analisado em Ser e Tempo, mas a técnica, (…) A leitura de Jünger levou Heidegger às seguintes conclusões: 1) que a sua fenomenologia da facticidade (do cotidiano) de 1927 é ainda ingênua, 2) que ela não representa um ponto de partida adequado para formular a questão do ser nos dias de hoje, 3) que a técnica moderna, pensada no horizonte da metafísica nietzschiana da vontade de poder, é o sentido do ser que prevalece, 4) que, portanto, Nietzsche é o pensador decisivo a ser consultado em qualquer tentativa de compreender e ultrapassar esse sentido do ser. Essas conclusões levaram Heidegger a constatar o fracasso do projeto de repensar o sentido de ser em termos da ontologia fundamental, exposta em Ser e tempo (Loparic, 2002, p. 217).

1.2.1.1. Heidegger e a aniquilação da coisa. Para Heidegger a ciência moderna aniquilou a coisa. A coisidade da coisa, desta forma, vem sendo aniquilada, permanecendo esquecida. Assim, ficou oculto o sentido e a verdade do ser dos entes. Então, a coisidade da coisa não chega a ser mostrada nem a ser falada. Porém, este fato aconteceu na ciência moderna em virtude da herança deixada pela metafísica grega, onde o ente foi tratado como presentidade. Desde Platão até Kant os entes são tratados como aquilo sobre o que se julga e não como coisas.

Na lógica transcendental da filosofia kantiana, por exemplo, é colocado um conceito de ser que é definido através dos juízos sintéticos a priori. Assim a ser dito como objetividade, ou seja, o homem é quem impõe as suas categorias e intuições aos objetos.

Desta maneira, Kant preencheu as lacunas que a filosofia grega deixou, isto é, ela não elaborou com precisão de que forma as coisas seriam determinadas, apenas deliberava que a constituição ontológica dos entes seria dada pela constituição dos juízos.

Kant, através de sua revolução copernicana, supriu esta lacuna deixada pelos gregos e, com isto, o modo de acessar os entes recebeu a formulação que paradigmou a época moderna. Assim, após a filosofia kantiana, o ser humano ocupa o centro de tudo e é ele quem imprime as condições de possibilidade para toda experiência possível através das suas formas de maneira a priori e transcendental.

Heidegger tenta separar a estrutura ontológica da estrutura lógica dos juízos e tem como solução buscar uma articulação do sentido no mundo da vida. Assim, a verdade transcendental heideggeriana é o mundo enquanto clareira, abertura, significação para o Dasein, onde este é condição de possibilidade existencial ontológica da manifestação dos entes.

Desta forma, Heidegger abandona o logocentrismo kantiano, embora, nele, ainda, prevaleça a transcendentalidade. O que Heidegger nega é a centralização da verdade no juízo, ou seja, nos princípios do entendimento. O que permanece na filosofia de Heidegger é o a priori no sentido de que o homem é o fundamento existencial –ontológico das descobertas do ente enquanto ente e de todas as suas determinações ônticas. Neste sentido, o lugar do juízo passa a ser ocupado pelo mundo vivido e concreto. No entanto, o abandono, na segunda fase do pensamento heideggeriano, da analítica existencial da pre-sença significa que ele percebeu que através da analítica dos modos da pre-sença, em tempos contemporâneos, não se pode dar conta da questão do ser. Portanto, Heidegger opera um giro em seu pensamento: a noção de linguagem eleva-se de um sentido cotidiano (o de discurso) para se tornar um lugar privilegiado de manifestação do ser, isto é, passa-se da pergunta pelo sentido do ser para aquela da verdade do ser.

Assim, a partir das conferências dos anos 30 ocorre uma reviravolta (Kehre) no pensamento de Heidegger. Nesta perspectiva, ele lança a questão sobre a coisa e levanta o problema de como as coisas podem ser vistas tendo dois parâmetros diferentes; o do senso comum e o da ciência.

Quando ele se pergunta “o que é uma coisa” responde de uma forma negativa dizendo: ela não é uma proposição. A coisa é uma mudança de questionamento e avaliação. Coisa é algo que reúne a quadratura, ou seja, terra, céu, deuses e mortais; e o poeta é a voz da própria coisidade da coisa que é chegada até o homem. Nesta perspectiva, o homem não estar no mundo como é visto em Ser e Tempo, mas ele, agora, aprende a habitar o mundo em uma quadrindade, ou seja, na vastidão do mundo entre a terra e o céu, entre os mortais e o divino.

Neste sentido, o mundo é um agitado jogo de espelhos destes quatro itens (terra, céu, deuses e mortais) e desta forma, Heidegger não trata de presentidade, mas de coisas. Assim, os quatro elementos pertencem uns aos outros unificados. Só desta forma, pode-se falar no ser coisa da coisa. É dentro desta perspectiva que, segundo Heidegger, Hölderlin recebe um ditame, pois este não foi o autor dos seus hinos. O que ele fez foi ouvir as palavras do ser, pois os hinos hölderlinianos são manifestações de algo. Eles não são nem imaginação nem são representações. Eles falam sobre o espaço e o tempo do ser formando a própria manifestação do invisível. Assim, o poeta é aquele que é fundante e Hölderlin capta a ressonância das coisas. A poesia é, então, ditada onde a palavra é um ditame indicativo. Assim, Hölderlin está exposto à dominância do ser que é um suporte vital e não descritivo.

Heidegger, desta forma, tendo por base Hölderlin, afirma que se tem que mudar a relação do homem com a linguagem; a palavra precisa ser escutada onde o dizer poético funda o ser. Nele a natureza é instaurada e ocorre o poder essencial da totalidade. Dessa forma, os poetas são mensageiros, sentinelas e observadores de tudo o que ocorre no mundo. Eles captam os sinais; escutam a voz silenciosa do ser; por isto que eles estão entre os homens e os deuses. Assim, a poesia é dádiva e os poetas são os fundadores do Ser.

Nesta perspectiva, com a constatação heideggeriana que com a técnica sendo enfatizada na sociedade moderna, houve, assim, um vazio; um abandono do ser, Heidegger, então, propõe a poesia como um caminho para o retorno à experiência original do pensamento. Para Heidegger, a linguagem e, mais precisamente, a poesia são entendidas como o lugar privilegiado de manifestação do ser.

Neste sentido, Hölderlin é para Heidegger o grande poeta e a relação entre os dois é a mesma que aquela entre a filosofia do Ser e a poesia. Assim, Hölderlin abre poeticamente o lado oculto da historia ocidental no sentido da sua verdade mais oculta. Desta forma, Heidegger vê na obra de Hölderlin um impulso para a linguagem elevar-se de um sentido cotidiano (o do discurso) tornando-se, desta forma, um lugar privilegiado de manifestação do Ser.

1.2.1.2. O Ser no segundo Heidegger. A pergunta fundamental da filosofia de Heidegger é aquela sobre o Ser. Assim, a questão maior, em se tratando da segunda fase do pensamento heideggeriano, não é o homem, mas o Ser em seu conjunto. Ele é que torna possível a abertura para a compreensão da existência humana e habita a linguagem poética e criadora. Ele não é um entre e é responsável pela linguagem; embora se identificando com o nada, ele é e não pode ser compreendido a partir de nenhum ente; ele é transcendente em relação ao ente.

Compreender a filosofia do segundo Heidegger é mudar o sentido da orientação do olhar e da escuta, é fazer uma ligação primeira entre o pensar, o ser, o homem e a linguagem.

Então, de que maneira o homem forma uma relação com o Ser? E a resposta é:

A primeira relação para com a linguagem (que é a de ouvir antes de falar, o dizer silencioso do ser –condição de possibilidade para todo o falar humano) é obtida pelo pensador e pelo poeta, que, assumindo-se, captam a dimensão de seu existir-no-mundo. Esta, inacessível aos homens que não estão prontos a ouvir o apelo do ser. (…) A missão do homem no mundo é a de, ouvindo o apelo do ser, torná-lo palavra, no ato mesmo de fazer nascer o mundo e as coisas (Beaini, 1981. p. 80).

Assim sendo, é através da poesia que se encontram as mensagens do ser. Nela ecoa a voz do ser, por isto, o homem, antes de falar, deve escutar o apelo do ser. Desta forma, será a palavra aquilo que resgatará a sua essência. A poesia, então, está relacionada com a questão da verdade do ser e o poeta é aquele que escuta todas as vibrações do vazio.

Neste sentido, Hölderlin é o poeta que encarna a essência da poesia. O poeta do pensamento heideggeriano vive em um tempo que ocorre entre a geração decadente e a geração que estão por nascer. Vive entre o celeste e o terrestre e entre o passado e o futuro. Ele é uma voz que significa uma alerta. Neste sentido, audição é aqui prioridade. Ela nos faz ver o mundo em uma múltipla diversidade interior e os sons permanecem eternamente nos homens, assim, o poema é a morada do poeta ou o poeta é a morada do poema. Porém, o poema dura para sempre. Só pela poesia é que Hölderlin tem uma proximidade com o ser no sentido de uma linguagem mais radical e como, também, pode, assim, celebrar a natureza como os bosques, as aves, o céu, os homens e deus. Heidegger vê na poesia de Hölderlin a escuta do chamamento do ser. Para ele, este poeta é mensageiro do divino, canta a terra, a palavra do ser e transporta com ele uma proximidade com os deuses e com as coisas fundando o que permanece.

1.2.2. A ontologia existencial de Heidegger

Em relação à primeira e à segunda fase (esta que foi vista acima) do pensamento de Heidegger há controvérsias: alguns comentadores afirmam que elas são excludentes, em contrapartida, outros apontam para o desenvolvimento da questão do Ser em geral; o Ser seria, inicialmente, estudado em Ser e Tempo como algo relativo ao homem passando, logo após, a ser tratado em uma dimensão mais ampla. E como afirma Benedito Nunes:

Não temos em cada uma delas (…) um Heidegger diferente; Heidegger I e Heidegger II–, mas dois momentos distintos de um mesmo pensar que mutuamente se esclarecem. (…) se é somente através do primeiro que se pode chegar ao segundo, não é menos verdadeiro que foi esse último que possibilitou o outro (2002, p. 9).

Neste sentido, acredita-se em uma unidade do projeto sobre o Ser de Heidegger, onde a sua obra inaugural Ser e Tempo marca rupturas com toda a filosofia tradicional.

Em linhas gerais, nesta obra, o ser humano é estudado em uma analítica, tendo como base o método fenomenológico de Husserl. Sendo assim, a questão central de Ser e Tempo é sobre a pergunta referente ao sentido do ser do homem. Portanto, o que Heidegger vai inaugurar é uma nova filosofia que tem como método a fenomenologia e como conteúdo a Ontologia. Em outras palavras, Heidegger vai buscar as coisas em si mesmas, tentando encontrar o sentido do ser. Assim, quanto à Ontologia e à fenomenologia, Heidegger afirma:

O uso do termo Ontologia não visa a designar uma determinada disciplina filosófica dentre outras. Ao contrário, é a partir da necessidade real de determinadas questões e do modo de tratar imposto pelas coisas em si mesmas que, em todo caso, uma disciplina pode ser elaborada. (…) com a questão diretriz sobre o sentido do ser, a investigação se acha dentro da questão fundamental da filosofia em geral. O modo de tratar esta questão é fenomenológico (…) A expressão fenomenologia diz, antes de tudo, um conceito de método (2002, p. 56).

Aqui cumpre salientar que a filosofia heideggeriana não é uma filosofia no modelo husserliano. De Husserl, Heidegger só é influenciado pelo método. No entanto, este passa a ser uma fenomenologia hermenêutica, porquanto tem com objetivo investigar o sentido do homem no mundo da vida. Desta forma, Heidegger explica o que quer dizer a palavra fenomenologia:

A palavra fenomenologia exprime uma máxima que se pode formular na expressão: “às coisas em si mesma” –por oposição às construções soltas no ar, às descobertas acidentais, à admissão de conceitos só aparentemente verificados, por oposição às construções soltas no ar, às pseudoquestões que se apresentam, muitas vezes como problemas, ao longo de muitas gerações (2002, p. 63).

No entanto explicar o termo fenomenologia como significando às coisas em si mesmas, ainda não deixa claro o seu sentido, torna-se necessário saber que a palavra fenomenologia vem de fenômeno e logos, por isto Heidegger explica:

O termo tem dois componentes: fenômeno e logos; ambos remontam a étimos gregos (…) somente porque a função do logos reside num puro deixar e fazer ver, deixar e fazer perceber o ente, é que logos pode significar razão. O fenômeno é o mostrar-se em si mesmo (2002, p. 63).

E é neste sentido do método fenomenológico que reside a meta de Ser e Tempo: resgatar o sentido do Ser, porque:

A questão do ser só receberá uma concretização quando se fizer a destruição da tradicional ontologia. (…) a questão do ser (…) Só se poderá discutir com seriedade e com resultados positivos essa possibilidade depois de se ter redespertado o interesse pela questão do ser e de se ter alcançado um campo de discussão (Heidegger, 2002, p. 56).

Assim sendo, é a tradição que afasta a investigação sobre o sentido do ser, por isto é necessária uma destruição da metafísica tradicional na história da filosofia. Nesta perspectiva, a destruição da metafísica é utilizada aqui como um recurso metodológico de repensar questões que foram engessadas pela tradição sem que elas fossem analisadas com radicalidade; indo até as raízes das mesmas.

Por este motivo, Heidegger argumenta que é preciso resgatar a questão do Ser, pois a mesma caiu no esquecimento e ele afirma, inicialmente, o porquê de tal preocupação:

No solo da arrancada grega para interpretar o ser, formou-se um dogma que não apenas declara supérflua a questão sobre o sentido do ser como lhe sanciona a falta. Pois diz: “ser” é o conceito mais universal e o mais vazio. Como tal, resiste a toda tentativa de definição. (…) Assim, o que, encoberto, inquietava o filosofar antigo e se mantinha inquietante, transformou-se em evidencia meridiana, a ponto de acusar quem ainda levantasse a questão de cometer um erro metodológico (2002, p. 28).

Sendo assim, a crítica de Heidegger reside no aspecto de se colocar o Ser como um conceito vazio, fazendo com que, assim, ocorra um esquecimento do ser do ente. Aqui cumpre salientar que ente é tudo aquilo captado pelos sentidos; tudo o que reivindica para si o verbo ser; tudo o que ocupa um lugar no espaço e pertence a um tempo; como, também, tudo o que pode ser concebido pelo homem, mas pode não existir de fato (ex. sereias); refere-se ao ôntico. Em contrapartida, o ser é o sentido do ente e é invisível pelos sentidos; é sinônimo de essência; é sempre ser do ente; refere-se ao ontológico.

Aqui cumpre salientar que o Ser é o conceito mais amplo que existe; ele é indefinível, universal. No entanto, só se tem acesso ao ser através do único ente que se compreende, que sabe questionar, investigar: o homem. O sentido deste, em relação à filosofia heideggeriana, pode ser chamado de ser-aí, Dasein ou pre-sença. Assim, a pre-sença como único ente que se compreende; que compreende o seu sentido; o seu Ser, por causa disto ela tem um primado ôntico (deve ser interrogada primeiramente) e um primado ontológico (porque nela pertence uma determinada compreensão do ser). Nesta perspectiva, O Dasein tem como característica a existência (uma realidade cujo ser leva seu Ser), isto significando que ele compreende o Ser e, por isto, ele é, em última análise, “eu mesmo”. O Dasein é condição de possibilidade de todas as outras ontologias. Assim, ele é o único ente que compreende o Ser. Portanto, para compreender o Ser em geral, é preciso compreender o único ente que compreende o Ser: o Dasein. È um caminho preparatório para a questão do sentido do Ser a partir da exploração do ente que tem a possibilidade de compreender o Ser. Este ente chamado Dasein é um-ser-no-mundo e, isto possibilita seus modos de estar neste mundo, estes modos são: a propriedade (autenticidade) e a impropriedade (inautenticidade). Por a pre-sença ser um-ser-no-mundo é sempre passado, presente e futuro e como afirma Heidegger:

Toda investigação é sempre uma possibilidade ôntica da pre-sença. O ser da pre-sença tem o seu sentido na temporalidade. A condição de possibilidade da historicidade enquanto um modo temporal próprio da pre-sença mesmo abstraindo da questão se e como a pre-sença é um ente no tempo. (…) a pre-sença é sempre o seu passado e não apenas no sentido do passado que sempre arrasta atrás de si (…) possui, como propriedades simplesmente dadas, as experiências passadas (…) a pre-sença é o seu passado no modo de seu ser (…) ela sempre acontece a partir de seu futuro (…) ela nasceu e cresceu dentro de uma interpretação de si mesma, herdada da tradição. (…) Essa compreensão lhe abre e regula as possibilidades do seu ser (2002, p. 48).

Desta forma, no Ser e Tempo parte-se do sentido do Ser para se chegar ao ente. Nesta perspectiva, para se saber o que é o Ser é necessário fazer a analítica existencial do homem; o homem é o lugar privilegiado da manifestação do Ser O homem é, para Heidegger, pre-sença; temporalidade; possibilidades. É algo distinto dos outros entes, os que estão à mão. O homem está no mundo, mas com a possibilidade de recusar ou aceitar as situações que ele se vê inserido. Assim, ele não é apenas “simples presença”, pois ele tem como condição realizar-se nas suas possibilidades no seu vir-a-ser. Ele é o único ente que é possibilitado de realizar uma escolha entre o que já foi e o que é ou será; e, com isto, operar ou não um transformação em sua vida. Para Heidegger, o presente é um misto de retomada do passado e de antecipação do futuro. A vivência da temporalidade pode dar-se na inautenticidade assim como na autenticidade. A autenticidade da temporalidade dá-se através da inquietação. E Heidegger afirma:

O ente que temos a tarefa de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre e cada vez meu. Em seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser. Como um ente deste ser, a pre-sença se entrega à responsabilidade de assumir seu próprio ser. O ser é o que neste ente está sempre em jogo (2002, p. 77).

Nesta perspectiva, a afirmação de que a pre-sença assume o seu próprio Ser significa que o homem é o único ente que tem a possibilidade de se investigar, porquanto os outros entes estão indiferentes no mundo, onde este é estrutura de significação; somente através dele o homem tem acesso ao seu sentido e ao sentido dos outros entes e estes só vem através da linguagem. Esta é logos, é discurso que tem o caráter de fala. Ela é Alétheia (verdade enquanto velamento e desvelamento do Ser) Portanto, ao homem se dar conta que é um estar-no-mundo, se ele constata a sua existência mediana, passa a ter a possibilidade de uma existência autêntica. O estar-no-mundo garante a ele duas posturas: a existência inautêntica (da vã curiosidade, da tagarelice e da ambigüidade ou equívoco); e a existência autêntica. Quando ele se deixa levar pelos aspectos medianos do mundo, vivendo por viver, seguindo o que os outros fazem, o homem se deixa levar pela massa e vive inautenticamente. Em contrapartida, na existência autêntica, o homem tenta se desvelar, saber quem ele é perante o mundo. A passagem da existência inautêntica para a autêntica ocorre através da angústia. E Heidegger afirma:

É uma possibilidade ontológica da pre-sença que deverá descortinar o horizonte õntico e explicar a própria pré-sença como ente. Todo descortinar só é possível dentro da abertura constitutiva da pre-sença. E esta se baseia na disposição e na compreensão (2002, p. 247).

Com isto, Heidegger constata que é, somente, através da própria pre-sença, daquilo que ela tem de possibilidade, do seu vir-a-ser, através da busca do seu sentido no-mundo-da-vida, somente a partir disto é que a presença vai desvelar o seu em si-mesmo. Mas o que será que é chamado de postura legítima que a presença deve ter? Ou de possibilidade ontológica? Para se responder isto, torna-se necessário saber daquilo que Heidegger chama de fuga de si mesmo:

Chamamos de fuga de si mesmo, o fato da pre-sença decair no impessoal e no mundo das ocupações… Entretanto nem todo retirar-se de…, nem todo desviar-se de…, é necessariamente uma fuga (…) Na decadência a pre-sença se desvia de si mesma. Para se compreender o que se quer dizer com fuga decadente de si mesma, inerente à pré-sença, é preciso lembrar que a constituição fundamental da pre-sença é ser-no-mundo. Aquilo com que a angústia se angustia é o ser-no-mundo como tal (2002, p. 250).

Portanto, o que significa a citação acima é que isto define o estar diante das possibilidade autênticas e inautênticas do existir; tendo em vista que a pre-sença é sempre constituída de modos autênticos e inautênticos, isto é, a fuga é quando alguém se imiscui com a massa, com a impessoalidade, quando desvia-se do si mesmo e vive, somente, na superfície do dia-a-dia com medo, o qual é paralizante. Esta situação é muito comum: quando alguém se acomoda com as situações e pensa: isto só pode ser assim e não do outro jeito, este tipo de atitude é paralizante; o medo faz com que a pessoa, simplesmente, seja levada pela vida. Esta postura, às vezes, atinge um grau tão elevado que mesmo em uma barbárie, a pessoa, por medo, tende a continuar na mesma circunstância e é este tipo de atitude que leva a muitas mulheres, por exemplo, serem agredidas por seus companheiros sem que elas tomem nenhuma decisão. O que Heidegger denuncia é que a vida do homem pode ser autêntica e inautêntica; pode ser fruto da angústia ou do medo. A angústia é aquilo que:

Abre, de maneira originária e direta, o mundo como mundo. Não é primeiro a reflexão que abstrai do ente intramundano para então só pensar o mundo e, em conseqüência, surgir a angústia nesse confronto. Ao contrário, enquanto modo de disposição, é a angústia que pela primeira vez abre o mundo como mundo. Isso, porém não significa que, na angústia a mundanidade do mundo. A angústia não é somente angústia com… mas, é também angustiar-se por (…) o por que a angústia se angustia não é um modo determinado de ser e uma possibilidade da pré-sença. A própria ameaça é indeterminada (…) A angústia se angustia pelo próprio ser-no-mundo (Heidegger, 2002, p. 252).

Conforme o acima citado, a angústia é a própria possibilidade que a pre-sença tem, designada por Heidegger, como a disposição fundamental de nossa existência que manifesta o nada. A pre-sença se angustia pelo simples estar no mundo. A angústia nem sempre vem acompanhada de um objeto exterior que a estimule. Às vezes, somente o nada é fonte da angústia. Neste sentido, o nada heideggeriano é um nada originário e fundamental que está na origem de nossa angústia. Esse nada determina a angústia; o nada não é algo determinado, no entanto ele não é a negação, mas a partir dele negamos ou rompemos com algo que nos incomoda, porquanto é, somente, quando o sentimos é que irrompe a capacidade de negar.

Assim, sendo, o nada heideggeriano é desencadeado pela angústia e, é somente através dele que nos sentimos motivados a nos mover, a nos transformar. Logo, a passagem à existência autêntica ocorre quando nos movemos no âmbito do nada mediante a angústia. Somente a partir daí é que descobrimos o nosso sentido no mundo-da-vida e constatamos que, ao nos deparar com o nada, somos, somente, um ser-para-a-morte. Assim sendo, vive autenticamente quem leva em consideração a morte, a possibilidade de cessar de existir aqui. Desta forma, com esta constatação passa-se para a vida autêntica a partir da problematização do estar-no-mundo, mediante o ato metafísico que nos faz emergir do nada.

Considerações Finais

A analítica existencial em Ser e Tempo tenta compreender o sentido profundo do pensar e do Ser em sua forma mais originária. A redução fenomenológica heideggeriana é uma evidência do seu transcendentalismo; ou seja, a busca pela coisa mesma, pelo sentido da pre-sença no mundo, nisto se incide a maior influência da filosofia kantiana, embora Kant objetive encontrar as formas de se conhecer, isto não invalida a sua influência na filosofia heideggeriana tendo em vista que Heidegger, também, procurou formas, no entanto estas se concentram no próprio mundo da vida tendo como referência o homem concreto que pode ser eu, você e nós; todos habitantes desse mundo real. Assim o transcendentalismo de Heidegger traz o sujeito transcendental kantiano para o mundo da vida; é neste que se pode buscar o meu o sentido de todas as coisas.

Quanto ao transcendentalismo:

A noção do transcendental apareceu com Kant para fornecer respostas sobre a possibilidade do conhecimento. Husserl manteve esta idéia, buscando porém na consciência a origem transcendental das idéias, em uma co-determinação entre idéia e consciência. (…) Heidegger enfatizou assim a questão do ser e de seu aparecer ôntico (como ente), mais que a da “cientificidade lógica” de uma pretensa filosofia universal. E transformou então o não-psicologismo da consciência transcendental (ou do sujeito transcendental) no Dasein: o ser se dá, em seu retraimento e em seu não retraimento, para a, na, pre-sença do ser do homem.(…) o Dasein heideggeriano incorpora justamente o tempo: não há ser, nem tampouco expressão do ser, que não seja no tempo (Martins,1998, p. 48).

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Martin Heidegger faz oitenta anos. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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